quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Que Pode Uma Criatura Senão, Entre Criaturas, Amar?

Versos e Poesias

Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? Amar e esquecer, Amar e malamar, Amar, desamar, Amar? sempre, e até de olhos vidrados Amar?


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?

Amar e esquecer,
Amar e malamar,
Amar, desamar, Amar?
sempre, e até de olhos vidrados Amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e Amar?
Amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e Amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
Amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Livro Claro Enigma

Livro Claro Enigma- Carlos Drummond de Andrade

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