terça-feira, 8 de maio de 2012

Personagem - Cecília Meireles

Teu nome é quase indiferente 
e nem teu rosto já me inquieta, 
A arte de amar é exatamente
a de ser poeta
. 

Para pensar em ti, me basta 
o próprio amor que por ti sinto: 
és a ideia, serena e casta, 
nutrida do enigma do instinto. 

O lugar da tua presença 
é um deserto, entre variedades: 
mas nesse deserto é que pensa 
o olhar de todas as saudades. 

Meus sonhos viajam rumos tristes 
e, no seu profundo universo, 
tu, sem forma e sem nome, existes, 
silencioso, obscuro, disperso. 

Todas as máscaras da vida 
se debruçam para o meu rosto, 
na alta noite desprotegida
em que experimento o meu gosto. 


Todas as mãos vindas ao mundo 
desfalecem sobre o meu peito, 
e escuto o suspiro profundo 
de um horizonte insatisfeito. 

Oh! que se apague a boca, o riso, 
o olhar desses vultos precários 
pelo improvável paraíso 
dos encontros imaginários! 

Que ninguém e que nada exista, 
de quanto a sombra em mim descansa: 
- eu procuro o que não se avista, 
dentre os fantasmas da esperança! 

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome, 
teu coração, tua existência, 
tudo - o espaço evita e consome: 
e eu só conheço a tua ausência. 

Eu só conheço o que não vejo. 
Em nesse abismo do meu sonho, 
alheia a todo outro desejo, 
me decomponho e recomponho...



Cecília Meireles

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