segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Cada Coisa - Fernando Pessoa


Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,


O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos a nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços, 


Não puxemos a voz acima de um segredo,
E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve A negra ida do Sol) — 


Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida 


Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando, 


Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos 


Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos, E há só noite lá fora.


Fernando Pessoa

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