quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tão crua Ninfa, nem tão fugitiva - Luis Vaz de Camões



Tão crua Ninfa, nem tão fugitiva,
com lindo pé pisou
a verde erva, nem colheu as brancas flores,
soltando seus cabelos d'ouro fino
ao vento que em mil doces nós os olhos ata,
nem tão linda, discreta e tão fermosa
como esta minha imiga.

Aquilo que em pessoa hoje viva
no mundo não se achou,
quis nela a Natureza, seus primores
mostrando, que se achasse de contino:
castidade e beleza; üa me mata,
a outra, de suave e deleitosa,
me faz doce a fadiga.

Mas esta bela fera, tão esquiva,
que o prazer me roubou,
quis-mo pagar seus únicos louvores,
cantando eu num estilo dela indino;
porque, se de louvor tão alto trata,
não sei eu tão baixo verso e prosa
que escreva nem que diga.

Aquela luz que a do Sol claro priva,
e a minha me cegou;
aquele mover de olhos, minhas dores
causando do olhar manso e divino;
o doce rir, que esta alma desbarata,
faz a sua pena desejosa
e de seu mal amiga.

Dos belos olhos veio a a flama viva
que n'alma se ateou
com a lenha de vossos disfavores,
queimando dentro o coração mofino,
cujo fim, por mor dano, se dilata
com a esperança falsa e duvidosa
que forçado é que siga.



Minha ou vossa vendo-se cativa
quem Deus livre criou,
se aqueixa desses olhos roubadores,
culpando ao claro raio peregrino;
mas logo a luz suave, que a resgata,
de vossa linda vista graciosa
a faz que se desdiga.
 
Nenhüa que no mundo humana viva,
que o Criador formou
por milagre maior entre os maiores,
formou um feito de tal Feitor dino;
Deus não quer que sejais, Senhora, ingrata,
mas que ajudeis üa alma desditosa
que em vós servir periga:
 
a sofrer esta pena rigorosa
vosso valor me obriga.
 
Luis Vaz de Camões

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