terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Fui mirar-me - Cecília Meireles


Fui mirar-me num espelho
e era meia-noite em ponto.
Caiu-me o cristal das mãos
como as lembranças do sono.

Partiu-se meu rosto em chispas
como as estrelas num poço.
Partiu-se meu rosto em cismas
- que era meia-noite em ponto.

Dizei-me se é morte certa,
que me deito e me componho,
fecho os olhos, cruzo os dedos
sobre o coração tão louco.

E digo às nuvens dos anjos:
"Ide-vos pelo céu todo,
avisai a quem me amava
que aqui docemente morro."

Pedi que fiquem amando
meu coração silencioso
e a música dos meus dedos
tecida com tanto sonho.

De volta, achareis minha alma
tranqüila de estar sem corpo.
Rebanhos de amor eterno
passarão pelo meu rosto.

Cecília Meireles

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