segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ser tímido - Artur da Távola




O que é, para você, ser tímido? Ficar num canto, medão dos outros, calado, mordido por si próprio, incapaz de gesto ou palavra? Não. Isso é ser inibido. 


Ser tímido é ter o gosto da multidão e temê-la. Ser tímido é ficar com vergonha pelo outro. Ë saber que pode duvidar de tudo. 


Ser tímido é preferir calar sabendo o que falar. É não entrar nas disputas, cortado por elas, por dentro. É ficar mais do lado do garçom que do próprio e construir só na imaginação tudo que tem de melhor. E não se expor nunca, babau para as eficiências ou glórias. 


Ser tímido é esperar que o descubram. É invejar sem inveja. É ser capaz de se emocionar com certos poucos que a sensibilidade escolhe e sabe de onde vêm, nas poucas vezes em que chegam. 
E se querer primeiro e se esperar por último. É zangar com as próprias raivas e duvidar sem temor.


Ser tímido é ter um orgulho! E curtir até com soberba emoções de somenos para os outros, e ser humilde naquilo de que os demais se orgulham. 


Ser tímido é manter o espanto do olhar de qualquer criança frente ao estranho. Ou abrir os braços para ele sem saber por quê. É estragar as defesas todas pelo sorriso. E temer a quem ama e detes tar a quem teme.


Ser tímido é querer a gravata borboleta que nunca usará. É encontrar calor nas derrotas e temer ganhar, pelos outros. Ser tímido é sentir alegria no que não dá resultado e enfadar-se com as vitórias. É esperar algo que não se sabe, mas se aguarda com fé. 


Ser tímido é trabalhar no que não dá e gastar o tempo por um critério muito pessoal e impossível de explicar às pessoas práticas. 
Ser tímido é ficar sempre do lado de fora da vitrina. 
É gastar pérolas ou suéteres onde não deve. É ser provisório. É poder ter brinquedos emprestados. É permanecer gostando. 


Ser tímido é entender cães e crianças. Pode ser falar muito. Pode ser até brilhante. Pode ser luzir. Mas sem raiva, senão de si mesmo, por ofuscar os outros. O tímido é o rei do sentimento do outro no lugar do próprio. É um doente do melhor de si mesmo. 


Ser verdadeiramente tímido é nunca saber o impreciso limite entre timidez e fraqueze. É ser tolerante com ambos. É ser duro como pedra consigo mesmo e sentir-se responsável não pelo cartão do ponto, mas pela sensibilidade dos demais. 


Ser tímido é poder querer. É fazer sem que saibam, mas ter necessidade de que saibam. Ser tímido é ser temeroso da própria vaidade, é querer entrar na festa, eterno penetra da alegria alheia porque a sua é secreta. 


Ser tímido é rir para, em vez de rir de. Ser tímido é procurar saber, é querer a justiça, é esperar que os outros reconheçam. É situar tudo no plano do afoito ou do afeto, mesmo quando não existem. 


Ser tímido é transformar-se em flores. É manter a pão e água o que não se dobrou. O que resiste. O que não se entrega. O que é mais forte até do que o desejo de não ser tímido. É ficar de longe, intenso, mas imperceptível. 


Ser tímido é emocionar-se demais e pairar olímpico. É ter recato pelo que não pode e não diz, não fala e resiste. 


Ser tímido é viver convalescendo de si mesmo, ontem. Mas igual amanhã, arre! É ter perdido a visão heróica de si mesmo e sentir-se muito melhor, embora julgasse que ia ser insuportável. 


Ser tímido é esperar que o sintam, sabendo-o impossível mas sabendo-se possível. 
É voltar para casa numa solidão de luas e cães. 


Ser tímido é manter viva a criança, rolar pelo chão com a vida que não teve,feliz porque ela se prolongou na fantasia. É levar a vida que teve dentro da pasta, disponível. 


Ser tímido é saber mais do que faz. É ficar feliz quando pontas do que é e sente são percebidas de graça. Num ato, gesto, olhar ou bofetada. 


Ser tímido é gostar de chuva. E rezar. É ter saudade do pai. 


Ser tímido é ser rei, na madrugada de seu reinado escondido e deslumbrante. 


Artur da Távola

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