quinta-feira, 20 de outubro de 2011

As boazinhas que me perdoem ... - Martha Medeiros


Qual é o elogio que uma mulher adora receber? Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns 700: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais.

Diga que ela é uma mulher inteligente e ela irá com a sua cara.

Diga que ela tem um ótimo caráter, além do corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.

Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.

Mas não pense que o jogo está ganho: manter-se no cargo vai depender de sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.

Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela é um avião no mundo dos negócios.

Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical. Agora, quer ver o mundo cair? Diga que ela é muito boazinha.

Descreva aí uma mulher boazinha. Voz fina, roupas pastéis, calçados rentes ao chão. Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana. Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor. Nunca teve um chilique. Nunca colocou os pés num show de rock. É queridinha. Pequeninha. Educadinha. Enfim, uma mulher boazinha.

Fomos boazinhas por séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa. Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.

Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa moral. Pitchulinha é coisa de retardada. Quem gosta de diminutivos, definha.

Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude. Conformam-se com a coadjuvância.

Ph neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.

Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As inhas não moram mais aqui. Foram pro espaço, sozinhas.

Martha Medeiros 

Um comentário:

  1. Márcia minha amiga,

    Martha Medeiras não brinca com as palavras, e concordo plenamente com ela, chega de mulheres inhas,este diminutivo que nos ocultavam dos valores merecidos, somos mais, somos independentes, belas, sensíveis a nível de sentimentos, mas fortes a nível de ser mulher, espaços garantidos, profissionais, competentes, sensuais, estrelas , vivas, maravilhosas,e super sexy sem ser vulgar,e faço das palavras dela as minhas somos "Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As inhas não moram mais aqui. Foram pro espaço, sozinhas."

    Beijos e tenha uma excelente noite

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