Freud
disse que são duas as fomes que moram no corpo. A primeira é a fome de
conhecer o mundo em que vivemos. Queremos conhecer o mundo para
sobreviver. Se não tivéssemos conhecimento do mundo à nossa volta
saltaríamos pelas janelas dos edifícios, ignorando a força da gravidade,
e colocaríamos a mão no fogo, por não saber que o fogo queima.
A segunda é a fome do prazer. Tudo que vive busca o prazer. O melhor
exemplo dessa fome é o desejo do prazer sexual. Temos fome de sexo
porque é gostoso. Se não fosse gostoso, ninguém o procuraria e, como
consequência, a raça humana acabaria. O desejo do prazer seduz.
Gostaria de poder ter tido uma conversinha com ele sobre fomes, porque acredito que há uma terceira: a fome da alegria.
Antigamente, eu pensava que prazer e alegria eram a mesma coisa. Não
são. É possível ter um prazer triste. A amante de Tomás, de A
Insustentável Leveza do Ser, se lamentava: “Não quero prazer, quero
alegria!”.
As diferenças. Para haver prazer, preciso primeiro que haja um objeto
que de prazer: uma caqui, uma taça de vinho, uma pessoa a quem beijar.
Mas a fome do prazer logo se satisfaz. Quantos caquis conseguimos comer?
Quantas taças de vinho conseguimos beber? Quantos beijos conseguimos
suportar? Chega um momento em que se diz: “Não quero mais. Não tenho
mais fome de prazer…”.
A fome de alegria é diferente. Primeiro, ela não precisa de um
objeto. Por vezes, basta uma memória. Fico alegre só de pensar num
momento de felicidade que já passou. E, em segundo lugar, a fome de
alegria jamais diz “Chega de alegria”. Não quero mais…”. A fome de
alegria é insaciável.
Bernardo Soares disse que não vemos o que vemos; vemos o que somos.
Se estamos alegres, nossa alegria se projeta sobre o mundo e ele fica
alegre, brincalhão. Acho que Alberto Caeiro estava alegre ao escrever
este poema: “As bolas de sabão que esta criança se entretém a largar de
uma palhinha são translucidamente uma filosofia toda. Claras, inúteis,
passageiras, amigas de olhos, são aquilo que são… Algumas mal se veem no
ar lúcido. São como a brisa que passa… E que só sabemos que passa
porque qualquer coisa se aligeira em nós…”.
A alegria não é um estado constante – bolas de sabão. Ela acontece
subitamente. Guimarães Rosa disse que a alegria só em raros momentos de
distração. Não se sabe o que fazer para produzi-la. Mas basta que ela
brilhe de vez em quando para que o mundo fique leve e luminoso. Quando
se tem alegria, a gente diz:
“Por esse momento de alegria, valeu a pena o universo ter sido criado”.
Título original: Alegria e Tristeza – do livro Pimentas – para
provocar um incêndio, não é preciso fogo, Editora Planeta, 2ª Edição,
2015, páginas 29 e 30.
quinta-feira, 9 de junho de 2016
“Pro dia nascer feliz”: fome de alegria – Rubem Alves
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