sexta-feira, 31 de julho de 2015

Pedido quase uma prece - Manoel de Barros

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.


O que desejo é apenas uma casa.
Em verdade, não é necessário que seja azul, nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.


Sem nome, porém honrada, Senhor.
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir
os ventos pelos caminhos, e ver o sol
dourando os cabelos negros e os olhos de minha amada.


Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ela é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido,
Que sem ela a casa também eu não queria, e voltava pra pensão.


Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos
E a dona é sempre uma senhora do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre, e daí podeis muito bem deduzir
Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.


Nas minhas solidões de amor e nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um homem o carinho das prostitutas!


Vós sabeis como tudo amarga naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.


Permiti que eu sonhe coma minha amada também, porque:
– De que me vale ter casa sem ter mulher amada dentro?
Permiti que eu sonhe com uma que ame andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o como se vê nos cinemas…


O ideal seria uma que amasse fazer comparações de nuvens com vestidos, e peixes com avião;
Que gostasse de passarinho pequeno, gostasse de escorregar no corrimão da escada
E na sombra das tardes viesse pousar
Como a brisa nas varandas abertas…


O ideal seria uma menina boba:que gostasse de ver folha cair de tarde…
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas…
O ideal seria uma criança sem dono, que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome – senão que um sorriso triste
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto das crianças que não têm rumo…


Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores…


Manoel de Barros

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