Escreve aí em teu caderno. “Eu sou livre!”. Só para lembrar. Tu bem
sabes, mas não custa repetir. Amar não é ter posse sobre ninguém. Quando
te sentires escravizar, manda às favas! Assim, simples, direto e com
toda a força. Fecha teus olhos, respira fundo e manda embora todo
aquele, aquela e aquilo que te faz mal. Não carece verbalizar, repetir,
soletrar em voz alta, gritar e essas coisas tão deliciosas. Diga a ti
mesmo, esculhamba o opressor aí dentro primeiro. Aperta o botão
vermelho, dá de ombros, dá as costas e vai em frente para longe dessa
lama doentia.
Por que carregar esse peso, hein? Para onde? Vai valer de quê? A vida
é uma viagem e a mala dos outros não te cabe. Despacha. Expulsa.
Demite. Tu és livre, criatura! A maior concentração de idiotas por metro
quadrado do mundo está aí mesmo, ao teu redor. Repara. Observa. Tem
sempre um cretino por perto, cada vez mais próximo, exalando sua
incrível capacidade de invadir o espaço alheio e um hálito estranho a
tuas entranhas. Se vacilas, descuida, cochila e permite sem querer uma
só aproximação, logo ele terá cravado os caninos em teu pescoço. Estará
pendurado em ti, no pleno e livre exercício de seu parasitismo.
Rejeita. Escapa da areia movediça das relações doentias. Percebe o
quanto tu, criatura divina que um dia foi amada com honestidade sob a
forma de um bebê inocente, frágil, corre agora o risco de ter a
vitalidade sugada por um espírito miserável, patológico e paranoico,
povoado de expectativas unilaterais. Não te obrigues a agradar quem quer
que seja antes de te contentares. Não te encantes com ninguém antes que
um amor louco por ti mesmo fortaleça tua alma e dê sentido a cada santo
dia.
Acredita. Tu haverás de amar honestamente só aqueles que mereçam o
privilégio. Teus amigos, tua família, tua gente e olhe lá. Esses estarão
contentes com o quinhão de amor e dedicação que tu lhes der, seja qual
for o tamanho disso. Ao resto, tu deves nada, nada! Quanto àqueles que
não entenderem, que se danem! Danem-se com todas as letras e ferros.
Porque a nós nada está garantido mesmo senão a danação absoluta. E se te
permitires afagar o ego de outro antes de mais nada, está escrito que
também irás te danar mais cedo!
Manda longe aqueles que te “amam” sob a condição de que faças
exatamente o que de ti esperam. Porque se ousares fazer diferente, se te
atreveres a seguir tua própria vontade, sem nada conceder ao capricho
alheio, rapidamente te odiarão com a mesma fúria com que hoje te adoram.
Desiste. Desiste de agradar a Deus e todo mundo. Afaga antes a ti
mesmo e, se Deus quiser, o mundo todo será teu. Então poderás escolher o
que queiras dele e a ele devolver o que puderes.
Cuidado com quem te cobra coerência, perfeição e generosidade.
Atenção a quem te julga egoísta por valorizares a vida que te foi dada.
Geralmente, é um cínico despejando em ti os defeitos que não suporta
saber em si mesmo.
Olho vivo na turma do olho gordo, tão boazinha e viciada em sentir
pena dos outros para disfarçar e esquecer sua própria miséria.
Evita, evita descaradamente os santinhos e sanguessugas dissimulados,
entregues a sua corrida de lesmas. Tu não precisas provar nada a
ninguém, não deves nada além das contas que pagas a tão duras penas,
nada senão respeito a toda e qualquer criatura honesta que viva sua
própria vida e não atrapalhe a dos outros.
Corre. Corre o mais rápido que puderes das malditas expectativas, as
suas e as alheias. Expectativas são bichos não domesticáveis, aranhas
peludas de mil pernas, escravizando suas vítimas em teias de preconceito
para devorá-las no mingau gelado da frustração. Melhor é criar filhos,
cachorros, gatos e lembranças.
E sobretudo perdoa. Aprende a perdoar quem te ataca em tua mais óbvia
fraqueza: tu és nada além de um ser humano cheio de falhas que ora
carece de companhia, ora anseia por solidão. Mas não te esquece: perdoa,
sai de perto e segue em frente. Porque o perdão é a tua liberdade com
outro nome.
Reconhece então tua fraqueza e cai no sono sem culpa. Quando
acordares, serás ainda a mesma criatura imperfeita de sempre, mas terás
mais força que nunca para seguir correndo. Em frente, atrás, de lado,
não importa. Só o que ainda vale de tudo isso é o puro e simples
movimento. Dispensa o peso. Manda embora. Liberta-te. Levanta e voa!
André J. Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário