Pode-se dizer que, na infância, fui uma menina fechada. Não excessivamente introvertida, mas na minha. Não falava muito sobre o que sentia e pensava. Ficava matutando com meus botões apenas, ou colocava tudo num diário que era protegido por um cadeado. Dá para acreditar, nos dias que correm, que já existiu quem trancafiasse sua intimidade a chave? Os diários eram nossos cintos de castidade mental.
Não estou exaltando os velhos tempos: ser tão ensimesmada não me rendeu grande coisa na época. O.k., desenvolveu minha introspecção, que é importante para quem escreve, mas retardou meu encontro com os outros – um encontro que só se dá plenamente quando somos menos defensivos.
O que fica secreto não chega a ser uma mentira, mas é algo que não ventila, não dialoga, não evolui, mantém-se estático na sua inutilidade, mofando, criando teias e envelhecendo sem nunca ter sido confrontado. Não acho que tenhamos que nos expor indiscriminadamente, isso é uma ansiedade quase doentia. Mas nem por isso defendo uma sociedade de caramujos.
A transparência dos nossos pensamentos e sentimentos é o único meio de estabelecermos conexões fortes e de avançarmos, tanto pessoal quanto socialmente. É muito difícil se relacionar com quem não se entrega, não assume suas fragilidades, não deixa cair a máscara. Não só difícil, como perigoso.
E chego ao voto secreto, essa aberração política que impede que conheçamos de fato nossos representantes e que permite indecências cujo maior colaborador é o silêncio. O silêncio é o principal aliado do mais grave problema do Brasil, a impunidade. Não só o silêncio que mantém os direitos políticos de um ladrão sentenciado, mas o silêncio de mulheres que mantêm a impunidade dos familiares que as violentam, o silêncio de cidadãos que testemunham crimes e não os denunciam, o silêncio que sustenta farsas, pessoas de duas caras, relações de fachada.
Transparência não é um comportamento fácil de adotar. Muitos se sentem incomodados diante da exposição de seus erros, constrangidos por falhar, humilhados por não ter acertado. Só que nada disso nos desonra, ao contrário. A transparência nos humaniza, nos refina e nos torna melhores – vale para pessoas, para cidades, para nações. Até uma árvore que cai num parque tem a ver com esse assunto, nem que seja como metáfora – a deterioração que se mantém escondida cedo ou tarde se manifesta da pior forma.
Há quem evite a transparência porque ela pode causar vergonha. Ora, é justamente de mais vergonha que precisamos. A vergonha nos civiliza e nos estimula a agir de forma correta. Sejamos francos, verdadeiros, mesmo que isso nos cause algum desconforto. É mais digno do que morrer abraçado ao lado secreto da vida, esse que costuma cair de podre.
Martha Medeiros - Jornal Zero Hora
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