Cumprindo essas duas etapas, atingiria a serenidade buscada, fosse nas questões amorosas, familiares, profissionais, existenciais. A compreensão, como num passe de mágica, soltaria os fios enovelados e só então eu poderia me modificar.
Acontece que pensar demais cansa. Afirmo com a experiência de uma maratonista cerebral: eu vivia sempre no módulo on, com o cérebro ligado na tomada, descansando só quando dormia, e ainda assim com um olho fechado e outro aberto. Se pensar conduzia à compreensão, bora pensar, para poder entender. Sem entender, acreditava que meu barco ficaria à deriva, noites e dias sob as intempéries, sem atracar em lugar algum.
Tanta coisa serve de cais: um casamento, uma promoção, uma cura, um projeto, uma bolada, um filho. Estamos sempre indo ao encontro de alguma coisa sensacional que ainda não sabemos o que é nem se iremos encontrar mesmo.
Pois, diante desse imenso ponto de interrogação que é o futuro de todos nós, reformulei minhas crenças: estou me dando o direito de não pensar tanto, de me cobrar menos ainda, e deixar para compreender depois. Desisti de atracar o barco e resolvi aproveitar a paisagem.
Primeiro mude, a compreensão virá depois. É mais ou menos o que a filosofia de Nietzche sugere. Ninguém muda apenas através do pensamento. A transformação meramente intelectual é uma presunção, não existe de fato. É preciso colocar o pensamento nas pernas e agir. O corpo é que nos leva para uma nova vida, e não a razão, diz o filósofo num texto chamado “A favor da crítica”.
Recentemente os integrantes do programa Saia Justa discutiram o que é drama e o que é tragédia, e chegaram à conclusão de que o drama te encarcera, enquanto a tragédia, por mais dolorosa que seja, te coloca em movimento: você sai dela diferente. Do drama você não sai: você fica remoendo, remoendo, remoendo. Excesso de racionalização engessa o sentimento e não te leva pra fora, pra frente.
De Nietzche a Saia Justa é um salto e tanto, reconheço, mas toda filosofia é bem-vinda, seja acadêmica ou de mesa de bar, de programa de tevê, de coluna de jornal. Estamos aqui para aquilo que os intelectuais rejeitam que se fale em público (mas falo baixinho: ser feliz). E a felicidade não é uma ilha paradisíaca onde nosso barco um dia atracará. A felicidade não é terra firme: ela é o próprio mar.
Passamos uma vida perseguindo a felicidade, sem reparar que ela está justamente na perseguição. O pensamento nas pernas. O movimento. A ação. Não há muito a compreender além disso.
Martha Medeiros
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