não é aqui meu lugar.
A liberdade, no exílio,
já começa a definhar.
Já não posso ouvir meu rádio
dizer as coisas comuns.
Lá fundarei uma arcádia
e comerei jerimuns.
Lá não chegam portarias
do titular da Viação.
Lá correm livres os rios
e livre é meu coração.
Sobe o imposto de consumo?
Ônibus mais caro, trem?
Lá, sem condução alguma,
sento no chão com meu bem.
Vou no rumo de Brasília,
para bem longe do mar.
A selva é meu domicílio,
tão mais fácil de habitar.
Adeus, fumaça, adeus, fila,
adeus, carro matador.
Prefiro orquestra de grilo
ao silêncio do censor.
Se a lei contra a imprensa pega,
jornal vira boletim
meteorológico, cego,
surdo, mudo, chocho enfim.
Escola? a da natureza.
Prato do dia? Arganaz.
Vou redescobrir, surpreso,
no mato, a prístina paz.
Vou no rumo de Brasília,
Vou no rumo de Brasília,
que o Rio está de amargar.
Da inquisição o concílio
me proíbe até pensar.
Se o Governo vai malito
e pensa que vai melhor,
quem mais lhe desmancha a fita
de pobre vestida à Dior?
Se chamo alguém de plagiário
(provando-o) me salta a lei:
Direto à Penitenciária,
por injúria grave? Eu sei.
Ladinos do bairro Fátima,
inocentes do Leblon,
que resta - dizei, num átimo -
salvo Glorinha Drummond?
Vou no rumo de Brasília,
o Catete vai ficar.
Se ele for, eu rogo auxílio
a Exu, monarca do ar.
Em Brasília ninguém tenta
espalhar promessa vã.
Transporte? ao tapa do vento,
monto na besta alazã.
É seu maior privilégio
a vida sem pose, ao sol,
a simplicidade egrégia
da selva como lençol...
Orquídea, lontra, cachoeiro
em sussurro musical.
Não há, nem de brincadeira,
Polícia Municipal.
Vou no rumo de Brasília,
e para me deliciar,
levo meu compadre Emílio Moura,
de brando falar.
Cyro, Cruls, Gilberto Amado,
Aníbal, mago sutil,
Rodrigo M. F., apurada
essência do meu Brasil.
Não são fantasias bobas:
Portinari e seu pincel;
em vez de Orfeu, Vila-Lobos.
Bandeira - of course - : Manuel.
E amigos, amigas, certa
saudade do que era azul,
pois mesmo longe está perto
meu norte - da Zona Sul.
Vou no rumo de Brasília.
Carlos Drummond de Andrade
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