quinta-feira, 19 de julho de 2012

Rabisco na areia - Hermann Hesse

Que encantamento e beleza
sejam brisa e calafrio,
que o delicioso e bom
tenha escassa duração
- fogo de artifício, flor,
nuvem, bolha, olhar
de mulher no espelho, e tantas
outras coisas fabulosas
que, mal descobrem, somem -
disso, com pena, sabemos.
Ao que é permanente e fixo
não queremos tanto bem:
gemas de gélido fogo,
ouros de pesado brilho,
por não falar nas estrelas
que tão altas não parecem
transitórias como nós
e não calam fundo na alma.
Não parece que o melhor,
mais digno de amor, se inclina
para o fim, beirando a morte,
e o que mais encanta - notas
de música, que ao nascerem -
são brisas, são águas, caças
feridas de leve mágoa.
que nem pelo tempo de uma
batida do coração
deixam-se reter, prender.
Som após som, mal se tocam,
já se esvaem, vão-se embora.
Nosso coração assim
leal e fraternamente
se entrega ao fugaz , ao vivo,
não ao seguro e durável.
Cansa-nos o permanente
- rochas, mundo estelar, jóias -
a nós, transmutantes, almas
de ar e bolhas de sabão,
cingidos ao tempo, efêmeros
a quem o orvalho na rosa,
o idílio de um passarinho,
o fim de um painel de nuvens,
fulgor de neve, arco-íris,
borboleta que esvoaça,
eco de riso que só
de passagem nos alcança,
pode valer uma festa
ou razão de dor.Amamos
o que é semelhante a nós,
e entendemos os rabiscos
que o vento deixa na areia.

Hermann Hesse In Andares    

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