domingo, 8 de julho de 2012

Preencha a linha pontilhada - Fabrício Carpinejar


No aeroporto, vinha um segurança gigantesco em minha direção. Uma porta fardada. Com roupa azul e frisos amarelos nas mangas. O coldre enviesado indicava seu trabalho de vigilância. Seu andar anabolizava a atenção das mesas da Praça de Alimentação.

Ele se aproximava lentamente, tinha um rosto malvado, duro, tenso. Os bandidos deveriam temê-lo, lembrava o Falcon de minha infância; a barba rala e a cicatriz na testa.

Quando ele passou por mim, eu vi seu crachá e sua maldade desapareceu no ato, foi substituída por uma candura de carrossel, de pônei pintado e música de ninar.

Estava escrito no crachá: EM TREINAMENTO.

Constrangedor fazê-lo prestar serviço com o claro aviso do período probatório. É desarmá-lo moralmente.

O ideal é que seja treinado para depois entrar em atividade. Não entrar em atividade para ser debochado.

Por que não colocar uma tabuleta no pescoço ou prendê-lo no picadeiro?

O estrago é igual. Não havia mais como levá-lo a sério. Emanou uma compaixão reservada aos passarinhos de asa pisada, que correm em círculos pelo jardim.

Coitado, pensei; projetar é recuperar no outro a própria memória, lembrei meu início profissional. Aguentava as provocações do chefe pela esperança de ser efetivado (aquilo não era esperança, mas perpétuo adiamento).

Em treinamento é dizer que o guarda não merece a identidade, que sequer recebe o FGTS, que é uma versão envelhecida de um estagiário.

É um sadismo das empresas estabelecer o sofrimento como critério para merecer o emprego. Mania absurda de considerar sacrifício e renúncia requisitos de um bom trabalhador.

Já não foi provado de que o purgatório não existe, de que é uma invenção da Igreja Católica?

Novatos terminam atrás do balcão com advertência macabra EM TESTE. A tarja no bolso da camisa é um carro colorido de autoescola: mantenha distância. As letras surgem em caixa alta, para não deixar dúvida da ausência de competência.

Com o crachá de aprendiz, os erros de atendimento serão condenados antes do julgamento. Diante do primeiro impasse, os candidatos ao emprego fixo vão se tornar garotos de recado e ouvir sempre o mesmo apelo:

- Por favor, chame o gerente!

Dinheiro é arrogância, os clientes não toleram iniciantes, reclamam da inexperiência, maltratam os novatos.

A identificação temporária difere pouco dos patrões que zombam de seus funcionários ao exigir que usem roupas típicas para atrair consumidores. Expor-se como coelho da páscoa, papai noel e caipira não vale o carimbo da carteira de trabalho.

Fantasia é uma escolha pessoal, torna-se crime quando imposta. Assim como ninguém pode tirar o direito que cada um tem de se humilhar.

Ser provisório é uma ofensa definitiva.

Fabrício Carpinejar

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