Amortecendo os sentidos, ao evitar o prazer ou desprazer do abraço, das cores, dos sons, dos alimentos, a pessoa se sente protegida do sofrimento. Recusa tudo o que lhe possa despertar para a vida que ainda precisa ser vivida, como se quisesse parar por ali.
A sensação de estar no limbo pode ser cômoda e benéfica, enquanto pausa, um instante de descanso, de retirada para que a força seja refeita; mas pode também funcionar como arma contra a própria pessoa, quando ela, mesmo percebendo que algo importante lhe falta, vai reforçando esse estado ao criar formas mecânicas de interação, ou melhor, de relação, já que não estabelece condições de trocas efetivas. A velha história de não se expor para não se machucar.
Para se tirar proveito desses períodos e retomar com mais vigor o caminho, ou traçar outro com maior clareza, é necessário se propor algum esforço: livrar-se de culpas, separar sonhos de ilusões, admitir limites, perdas e, em alguns casos, impotência frente ao irremediável. É necessário também não se entregar às cobranças que fazem questão de aparecer para minguar ainda mais a energia.
Alguma seiva restou naquelas árvores ressequidas, dadas como mortas, que de repente nos surpreendem com um minúsculo broto. É possível que a natureza também conspire a nosso favor, no tempo dela; mas não precisamos esperar, se esse tempo for longo demais. Podemos, nós mesmos, com um pouquinho mais de esforço provocar nossos sentidos. Devagar, se o medo persistir. Uma música, um filme, um livro, um sabor mais picante, um novo corte de cabelo, uma cor de roupa que não costumamos usar, um trajeto que nunca ousamos, por preguiça ou falta de tempo. Até mesmo um leve movimento que nosso corpo desconhece, ou fez questão de esquecer, tem o poder de nos restituir a vontade.
O importante é não permitir que a bruma espessa nos tome por inteiro e impeça que voltemos à vida. O espelho só está embaçado.
Angelina Garcia
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