Viver é simples. Deve ser isso que nos assusta tanto. Muitas vezes fico olhando para o nada, perdida em questionamentos, vivências, flashes do futuro. Por que a gente sofre tanto? Por que a gente se cobra tanto? Por que nos enredamos em fios de temores, culpas e perdas? Viver é simples, insisto. Basta um dia de sol, uma boa música, um gole do vinho preferido, o calor do abraço de uma pessoa que te ama, acordar todo dia de manhã e ver que a vida continua lá fora te esperando.
Sei que tem o que você queria e não aconteceu, sei que tem um monte de conta em cima da mesa, sei que seu pai anda meio doente, sei que seu marido deixa sempre o sapato no meio da sala, sei que o trânsito anda infernal, sei que logo hoje que você fez escova choveu. Eu sei de tudo isso. E também sei o quanto somos pequenos, fúteis e incompreensíveis.
As coisas são muito claras. Você tem uma vida, valores, educação, lembranças, consciência. Você tem escolhas, caminhos, passado, presente, futuro. Você tem todas as chances do mundo para escolher como quer viver.
Falta ousadia. Falta verdade. Falta sinceridade. Falta vontade. Falta parar de reclamar e olhar para o mundo como ele realmente é. E sei, sei bem, que nem sempre o mundo é amigo. As pessoas podem - e são - cruéis. O mundo muitas vezes nos passa a perna. E a vida segue. Você às vezes se quebra, mas a vida segue. A gente erra, acerta. Ganha e perde. Você pode ter perdido família, amigos, amores. E ter se encontrado. Você pode ter família, amigos, amores. E nunca ter se achado. O que vale, na verdade, não é tudo o que você conquistou ou teve que abandonar. O que vale é a forma como você lida com isso.
A gente tem a incrível mania de julgar o outro. É tão fácil palpitar sobre a vida de alguém, não é verdade (vai dizer que você nunca fez isso)? A Camila tem uma vida ótima, um marido gato, uma filha boneca, um filho príncipe, um cachorro adestrado, um duplex de cinema, um carro luxuoso, um cabelo de matar de inveja a Gisele, sorriso mais branco que ator da Globo, corpo mais perfeito que rainha de bateria. Além disso, Camila tem empregada que lava, passa e cozinha. Em outras palavras: Camila nunca está com o cabelo fedendo a fritura, não estraga as unhas esfregando panela e não sofre de dores na coluna (muito menos de tendinite) por passar as camisas do maridão. E para completar: Camila não precisa se preocupar com as contas de água, luz, telefone, supermercado. Dinheiro não é problema. Nunca foi. Mas Camila é extremamente infeliz. Tão infeliz que faz terapia três vezes por semana. E chora todos os dias antes de dormir. Um belo (horrível?) dia, Camila se mata com um tiro na testa. No velório, pessoas se espantam: mas ela tinha tudo. Ela tinha tu-do. Como se matou? Tsc, tsc. Perua. Dondoca. Depressão é coisa de dondoquinha. Fracotinha. Franguinha. Você conhece a Maria do Carmo? Ela tem 28 anos, quatro filhos, é separada, sustenta a casa, trabalha como empregada doméstica e faz doce para vender no mercadinho do bairro do lado da casa onde trabalha. Rala o dia todo para sustentar os filhos, deixa as crianças com a vizinha, faz comida em casa, vive com as unhas fracas por causa dos produtos de limpeza, nunca experimentou outra marca de shampoo a não ser aquele que custa menos de três reais, nunca ouviu falar em escova progressiva, não tem dinheiro para ir ao cinema, comprar livros, roupa nova, nem nada disso. As crianças herdam as roupas dos filhos da patroa ou então ganham dos primos mais velhos. Sua maior diversão é quando chega domingo, ela senta no sofá da sala com seus rebentos e assiste Faustão tomando suco de manga. Apesar das dificuldades, Maria do Carmo vive com um sorriso no rosto, acha que viver é uma graça divina e não reclama de nenhuma desgraça que acontece na vida. Com esses dois exemplos fictícios eu quis dizer que não dá pra gente rotular as pessoas. Cada um sabe onde a dor é mais funda, e é justamente por isso que não podemos nos meter. Cada um escolhe como conduzir a sua vida - e carrega sua cruz e seus carmas do jeito que pode e consegue.
Viver, no sentido mais completo da palavra, é para os corajosos. Para os que não têm medo da entrega. E da recompensa. Já que a vida é via de duas mãos, vai e vem, dá e recebe, a gente tem que entender que é vivendo que recebemos a melhor coisa do mundo: o aprendizado.
Clarissa Corrêa
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