Tem vez que cansa. Cansam portas fechadas, chaves que não abrem as portas fechadas, a angústia por ainda não se saber como abri-las. A vontade que tece o seu ninho nos galhos mais verdejantes e passa tempos chocando ovos que parecem que não vão mais se romper. A espera pelo voo das borboletas que demoram crisálidas para se desvencilhar dos casulos. O repetido surgimento do não quando a vida da gente prepara incansáveis banquetes de boas-vindas para osim. O quase que se prolonga tanto que causa a impressão de ser interminável. E, à espreita, sempre acompanhando os movimentos da nossa coragem, à distância, a perigosa perspectiva do nunca, aguardando cada brecha criada pelo cansaço para tentar nos dissuadir dos nossos propósitos.
Tem vez que cansa, sim. E parece que somos incapazes de mais um único passo fora do território do nosso cansaço. O ânimo desaparece sem deixar vestígios, pegadas na areia que nos levem até onde as suas águas refluem. Sabemos que ele permanece lá, em algum lugar que temporariamente não acessamos, como o sol por trás de nuvens que querem chover mas não conseguem. Sabemos que ele está lá e que precisa apenas de um tempo para se recompor. Para soprar as nuvens e voltar à cena. Para retomar o caminho com a gente. Para nos lembrar outra vez, depois de outras tantas, que, aconteça o que acontecer, sob hipótese alguma queremos desistir do que nos importa.
Tem vez que cansa. E parece que não há nada que possamos nos dizer que revitalize, de imediato, a crença na nossa capacidade de transformação. Não é raro, sequer conseguimos ouvir a nós mesmos, a comunicação interrompida pelos ruídos momentâneos da negatividade. Aquela conversa fiada mental que não nos leva a nenhum lugar bacana, o olhar estreito que não vê coisa alguma além do nosso próprio desânimo. Esse cansaço às vezes é acompanhado por uma tristeza muito doída, que pede o nosso melhor abraço; outras, por uma raiva que pode se fantasiar com um monte de disfarces. Quando a gente se cansa em demasia, o coração não canta, as cores desbotam, o tempo se arrasta pelos dias como se estivesse preso a imensas bolas de ferro.
Tem vez que a vida da gente cansa. Pele sem viço, olhos sem lume, pés doloridos, os ombros retesados pelo peso que carregamos. Cansa e precisa sentar um pouco para descansar, respirar grande, recobrar o fôlego. Cansa e procura sombras de árvores, banhos de silêncio, acalantos capazes de fazer os medos dormirem. Cansa e pede alegria, esse hidratante natural maravilhoso, também indicado para as fases de ressecamento da alma. Cansa e quer nossa atenção amorosa, nossa escuta sensível, nosso cuidado macio, a generosidade própria dos amantes, essas dádivas que afrouxam apertos, massageiam a coragem, e fazem toda diferença do mundo, não importa qual seja a textura do sentimento da vez.
Tem vez que a vida da gente cansa e, se for suficientemente amada, depois retoma o caminho ainda mais forte. Ainda mais bela, carregada de brotos das flores que mais dizem nossa alma. Inteira.
Ana Jácomo
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