Troço perigoso, a culpa. Faz estrago à beça. Pode até aniquilar uma existência inteira. A vida fica toda encolhidinha. A alma deixa de cantar. As veias por onde o amor circula se tornam obstruídas. É capaz de fazer adoecer o corpo que a gente vê e aquele que só dá pra sentir. Perspicaz, inventa desculpas para as pessoas não serem felizes, as mais fajutas e as mais aprimoradas. Aqueles que se enredam nela, acabam muitas vezes não sendo mesmo, iludidos com a convicção da sua fala que repete baixinho que não podem. Não devem. Não merecem.
Por causa dela, muita gente linda amordaça seus sonhos. Coloca a alegria na prateleira mais alta. Esconde sua própria caixa de lápis de cor. Especializa-se em criar nuvens toda vez que o sol se insinua. Nódoa que pede limpeza, dor que aguarda cura, a culpa é uma espécie de dívida pendente que parece não poder ser paga nunca. E, por mais estranho que seja, algumas vezes nem se sabe direito quem é o credor, se é que realmente existe um.
Nem sempre a culpa está relacionada a erros cometidos, passíveis de serem transformados pelo perdão. Ela pode ter a ver com falhas imaginárias, criadas pela confusão, pela impossibilidade de atender à expectativa alheia, pela manipulação, pela ausência de autoamor. É como um quarto fechado que cheira a mofo e tem uma única janela, geralmente emperrada, que precisa ser aberta para se sair de lá. Essa janela abre na direção da gentileza com a própria vida, a única credora de verdade, na maioria das vezes.
Ana Jácomo
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