Eu assumo: sou viciada nessa porcaria. No início, você se sente mais generosa, sociável, segura, coisa e tal. Dá aquela golada, estufa o peito e vai pra cima. Aumenta o tom de voz e bate de frente com quem quer que seja. Não dá pra segurar, é incontrolável! O sangue sobe e, quando você se dá conta, já foi, escapuliu. Mais uma vez interferiu, se intrometeu, acudiu quem você supôs precisar da sua ajuda e… se ferrou de novo.
Já reparou que isso acontece na maioria das vezes em que tomamos as dores dos outros? Pense numa situação em que alguém está sendo nitidamente oprimido. A gente vai lá, se desgasta, se estressa, se expõe pra defender o “coitado”, fica com uma raiva imensa do opressor, jura que nunca mais vai olhar na cara do cretino e, quando começa a se tranqüilizar pensando que, pelo menos, já fez a sua boa ação do dia, vê oprimido e opressor dando risada juntos, felizes da vida. “E eu!?”, você se pergunta, indignada. Você é apenas a louca que foi fazer escândalo por nada. Errr… Será que é só comigo que acontece isso?
Ao fazer a linha defensora-dos-fracos-e-oprimidos – sem que ninguém tenha pedido a sua ajuda-, você pode não estar sendo a heroína da história, mas, sim, apenas a babaca que rotula de “zé mané” alguém que tem plena capacidade de se defender sozinho e só não o faz porque não quer (ou porque tem uma outra forma de lidar com a situação, ou simplesmente está esperando o momento certo pra dar o bote).
Nem todo mundo é tão frágil quanto parece. E quando você interfere em defesa de alguém que não está precisando, você está se julgando melhor, mais forte e mais importante do que esse alguém, ou seja: é só o seu ego agindo mais uma vez. E isso nada tem a ver com generosidade, convenhamos…
Além dessa coisa toda ser altamente viciante, é muito difícil de ser detectada. Porque ninguém vai ter coragem de te dar esse toque, pode ter certeza. Isso é coisa que você tem que descobrir e resolver por si. Tendo descoberto essa falha (que nem sempre é genética), o primeiro passo pra sair dessa é aceitar ser impotente perante as dores dos outros. Ou seja: nada que você fizer vai fazer com que o oprimido se sinta melhor. Muito pelo contrário. Mas e depois de assumir isso? Como manter o controle diante de uma tremenda injustiça com alguém?! Só entrando pro D.D.O.A. – DoresDosOutrólicos Anônimos. Como esse grupo ainda não foi fundado, só vejo uma solução: abstenha-se! Fique na sua!
Tá bem, tá valendo proteger velhinhas, crianças e animais domésticos. Mas para todas as outras situações envolvendo “espécies em risco”, eu proponho um exercício de autocontrole, um dia de cada vez. As coisas se resolvem por si. Você não precisa dar a sua opinião sobre tudo, nem se manifestar sobre todos os assuntos, e nem interferir por ninguém. Quando alguém fizer algo que você não concorda contra outra pessoa, saia do recinto. Dê ao oprimido a oportunidade da autodefesa. E se ele não fizer nada, espere que alguém interceda por ele, mas sinta, ao menos uma vez, o gostinho de não estar envolvida na confusão. Você vai ver que tudo vai se ajeitar sem que você se indisponha com alguém. E isso é absurdamente libertador. Experimente.
Renata Gervatauskas
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