sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Como quem pede uma esmola - Abgar Renault



Preciso de uma palavra. 
Em que dia ou em que noite 
estará essa, que almejo, 
ideal palavra insabida, 
a única, a exclusiva, a só? 
Dela me sinto exilado 
todas as horas por junto, 
com minha face, meu punho, 
meu sangue, meu lírio de água. 
Soletro-me em tantas letras, 
e encontrá-la deve ser 
encontrar a criança e o berço, 
a unidade, a exatidão, 
o prado aberto na rua, 
a rua galgando a estrela. 
Preciso de uma palavra, 
uma só palavra rogo, 
como quem pede uma esmola. 
Em florestas de palavras 
os calados pés caminham, 
as caladas mãos perquirem, 
os olhos indagam firmes. 
Em que parábola cruel, 
em que ciência, em que planeta, 
em que fronte tão hermética, 
em que silêncio fechada 
estará viajando agora 
- mariposa de ouro azul - 
a palavra que desejo? 
Lâmina sexo cristal 
fulcro pântano convés 
voraginoso fluvial 
Antígona circunflexa 
catastrófico crepúsculo 
ênula ventre rosal 
sibila farol maré 
desesperadoramente 
nenhuma será nem é 
aquela do meu anseio. 
Como será, quando vier, 
a palavra entrepensada, 
necessária e suficiente 
para a minha construção 
de lápis, papel e vento? 
Dura, espessa, veludosa 
ou fina, límpida, nítida? 
Asa tênue de libélula 
ou maciça e carregada 
de algum plúmbeo conteúdo? 
Distante, insone e cativo, 
debaixo da chuva abstrata, 
eu me planto decisivo 
no tráfego confluente, 
aéreo, terrestre, marítimo, 
e espero que desembarque, 
triste e casta como um peixe 
ou ardendo em carne e verbo, 
e pouse na minha mão 
a áurea moeda dissilábica, 
a noiva desconhecida, 
a coroa imperecível: 
a palavra que não tenho.



Abgar Renault

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