quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Para onde caminha o amor - Flávio Gikovate
Tudo nos leva a supor que a capacidade de as pessoas viverem sozinhas esteja aumentando. Ou seja, é cada vez maior o número de homens e mulheres que se sentem razoavelmente em paz consigo mesmos, que são capazes de se entreter com seus afazeres e interesses, que sabem ir a um cinema ou bar sem se sentirem humilhados pela falta de companhia. Aliás, o aspecto social, também muito importante, começa a ser alterado.
Até pouco tempo atrás, a pessoa solteira era discriminada e rejeitada. Quem não estivesse casado era visto como portador de status social inferior. Havia, portanto, uma forte pressão na direção do casamento. Sempre que constato esse tipo de pressão sou tentado a desconfiar das "delícias" do objetivo que se pretende impor. Se fosse tudo tão bom não seria necessário pressionar tanto!
A capacidade para uma razoável auto-suficiência é uma das mais importantes aquisições do homem contemporâneo. Ela é fruto do empenho que tanto temos feito na direção do autoconhecimento e da introspecção. O progresso tecnológico, que nos deu a televisão, o videocassete e tantos outros equipamentos, também tem contribuído para que as nossa horas solitárias sejam passadas de modo agradável e rico. Com tudo isso, é natural que muitos de nós prefiram ficar sós a estar mal acompanhados. Maus casamentos, suportados apenas em razão das inseguranças e medos de se enfrentar um futuro incerto e eventualmente solitário, estão com os dias contados.
As relações ricas, plenamente gratificantes, baseadas no respeito mútuo, na compreensão e no desejo profundo de contibuir para que a pessoa amada seja o mais feliz possível continuarão a existir e a florescer como vida em comum. Isso, desde que não existam impedimentos externos comprometedores (filhos de relacionamentos anteriores com atitude destrutiva, graves dificuldades financeiras e divergências práticas ou filosóficas de monta), que podem ir minando as bases da aliança afetiva. Mas quantos são esses casamentos? Uns 10%? Talvez nem isso.
O que está ocorrendo, a meu ver, é uma importante modificação nas pessoas capaz de levá-las a olhar melhor o fenômeno do amor e a instituição casamento. Como não estão mais desesperadas para se unir a alguém a qualquer custo, podem, em primeiro lugar, compreender que o amor é uma coisa e o casamento é outra.
O amor é uma sensação de paz e aconchego que sentimos quando estamos junto de uma pessoa, que por inúmeras razões, se tornou especial e única para nós. O casamento é uma sociedade civil complicada, ultimamente mal sucedida e geradora de conflitos. Ele terá de ser olhada à luz da razão e não do ponto de vista do amor. É lógico que ninguém vai querer morar junto com alguém que não provoque prazer romântico. Mas não é só isso o que determinará o estabelecimento da sociedade conjugal.
Dificuldades práticas de convívio levarão as pessoas, segundo creio, a estabelecer um convívio em termos de namoro: cada um viverá em sua casa, com suas finanças próprias, seu estilo de vida e seus problemas individuais. Se as dificuldades objetivas não existirem e se houver metas em comum que justifiquem o estabelecimento do vínculo societário, aí então as pessoas irão estabelecer matrimônio. É o caso, por exemplo, dos casais que efetivamente desejam ter filhos e patrimônio em comum. A freqüência de casamentos será muito menor, mas a qualidade deles tenderá a ser melhor. E quem não quiser esse tipo de vida ficará sozinho e buscará a felicidade por outros caminhos.
Flávio Gikovate
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