terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Amor é só para gente moça? - Flávio Gikovate
Sempre que uma pessoa de mais idade se apaixona costuma falar assim: “estou parecendo adolescente!” Parece que, de repente, sentir-se encantada por alguém é sinal de imaturidade emocional. É como se, com a idade, tivéssemos que perder o entusiasmo e desaparecesse a capacidade de nos surpreender com qualquer coisa ou pessoa.
Felizmente isso não é verdade; ao menos para um bom número de criaturas que conservam a inquietação intelectual e o gosto por conhecer pessoas. Para estas, tudo é possível e em qualquer idade. De repente, encontram – ou reencontram – alguém em quem reconhecem quase que de imediato uma enorme gama de afinidades: semelhanças de caráter, de gostos e interesses, de estilos de vida e mesmo de projetos, daquilo que ainda gostariam de viver e conhecer.
O curioso é que o encantamento amoroso que deriva deste tipo de encaixe – mais intelectual do que físico, apesar de que este não fica excluído – costuma vir acompanhado de um grande medo. A este medo, relacionado com a sensação de que coisas ruins podem nos acontecer justamente quando estamos muito bem, é que chamo de medo da felicidade. O amor de boa qualidade, aquele baseado em afinidades (evento mais comum entre pessoas mais vividas), vem associado ao medo da felicidade, o que provoca aquelas palpitações sofridas e deliciosas, a insegurança e a incerteza acerca da continuidade do relacionamento, o pavor que obstáculos externos venham a perturbar o pleno encontro.
A paixão é isso: amor+medo! Acontece em qualquer idade e sempre com os mesmos sintomas: perda do apetite, sono tumultuado, sensação de estar vivendo uma situação extraordinária, maravilhosa e profundamente ameaçadora. As pessoas ficam aéreas e desatentas com as coisas práticas do cotidiano; o trabalho, o dinheiro, os outros, tudo perde um pouco da importância e do interesse e talvez por isso pareça coisa de adolescente. Mas não é nada disso. É coisa de quem está encantado e morrendo de medo de perder aquele parceiro que, de repente, parece ter dado um novo sentido à vida.
Aquelas poucas pessoas que não fogem por medo do amor experimentam um certo apaziguamento com o passar dos meses de convívio. Sentem de forma cada vez mais clara o que deriva do convívio com uma pessoa muito amada, que é a sensação de paz e aconchego que nos encanta em qualquer fase da vida.
Não tenho a menor dúvida de que a questão do amor está muito mal formulada em nossas mentes. Para mim é um impulso totalmente separado do sexo, de modo que não creio que devamos pensar em paixão quando um homem mais velho se encanta por uma mocinha – e vice-versa. Aí o que está em jogo é mais que tudo a vaidade e o desejo de reinventar uma exuberância sexual que a idade tende a arrefecer – e que aparece como inaceitável para tanta gente. As grandes diferenças de idade não costumam favorecer um bom encaixe a não ser em casos excepcionais.
Tudo o que temos conseguido saber acerca do que seja envelhecer bem é extremamente favorecido pela presença de um elo amoroso de boa qualidade – e que se funda, repito, em afinidades que geram aconchego, companheirismo e compreensão recíproca. Casais que vivem em concórdia costumam ligar menos para as limitações físicas de toda ordem que crescem com o passar dos anos. Tendem a viver mais e melhor. Deveríamos, pois, estar sempre abertos para possibilidades afetivas que venham a nos trazer as alegrias e o conforto que só o amor pode nos dar.
O amor de verdade é aquele em que o parceiro é também nosso melhor amigo. E o sexo, como fica? Onde existe intimidade de verdade as trocas de carícias eróticas sempre existirão – apesar das limitações que a natureza impõe com o passar dos anos. Casais felizes vivem voltados para o presente – e para o futuro – de modo que são muito menos saudosistas. Vivem a vida finita como se ela fosse eterna.
Flávio Gikovate
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