sábado, 12 de novembro de 2011

Você quer ser boazinha ou quer ser feliz? - Andrea Pavlovitsch



Lembro-me como se fosse ontem: eu sentada no carro, com meus pais, aos sete anos. Ao meu lado, no banco traseiro, estava a minha irmã mais nova. O meu pai fumava na época e, todas as vezes que ele acendia o cigarro enquanto dirigia, inevitavelmente um pouco das cinzas voavam na gente no banco de trás. Neste dia, era a minha irmã que estava sentada atrás dele.

Ela sentiu as cinzas voando nela e reclamou para ele. Com apenas cinco anos ela já sabia o que queria, e ela não queria cinzas de cigarro em suas roupas. O meu pai ficou bem bravo e disse uma frase que possivelmente norteou a minha vida por anos. Ele disse “Quando as cinzas caem nela, ela só sabe reclamar, que droga. A Andrea já não, nunca reclama de nada”.

Lembro que na época senti muito, muito orgulho de mim. Eu, uma boa menina, que não reclamava de nada, nem de cinzas de cigarros na roupas, nem de não ter o que queria, nem de ser maltratava vez ou outra. Que moça bozinha eu era! E desde aquele dia, naquele carro, eu mantive a minha promessa de ser boazinha, não reclamar de nada, de sempre agradar ao meu pai e ao resto do mundo.

Hoje eu vejo o quanto esta escolha, ainda que com sete anos, me custou a vida toda. Custou relacionamentos amorosos, de amizade e até profissionais. Custou um tanto de autoestima, um naco bem grande na verdade e uma porção de sapos engolidos. Custou noites de sonos pensando em como eu era e como eu gostaria de ser. Custou sonhos, muitos deles.

Ser boazinha é como uma profissão em tempo integral (tipo 24 horas mesmo). Exige que você repense sempre tudo o que você está fazendo ou pretende fazer. Você quer comer massa, mas o seu namorado quer uma carne sangrando e tudo bem, lá vamos nós. Mesmo que você passe dois dias depois disso passando mal e isso lhe traga pelo menos 2 quilos na balança. Ou então você quer ser enfermeira na África, mas sua mãe sonhou um casamento dos sonhos, com direito a violinos e muitos netos. E lá vamos nós, munidas da nossa mais rica versão da boazinha, fazer tudo como o mestre mandou.

A boazinha não dá espaço para a nossa verdadeira personalidade. Não se pode ser boazinha e autêntica ao mesmo tempo. A boazinha simplesmente segue as regras e é recompensada por isso como um pequeno cão que ganha um petisco. E é só isso mesmo, um petisco, que se ganha. Você sonha e saliva com o prato principal, mas parece que todo o mundo consegue e você não. Você vê as pessoas realizando sonhos malucos que você jura para você mesma que não estava nem sonhando. Vê sua amiga se separar, perder sete quilos e pular de pára-quedas e pensa “ela é doida, como assim largar um homem tão bom?”. Vira uma invejosa de plantão. Repara na roupa de todo mundo, principalmente aquelas que ousam usar a saia mais curta e o decote mais profundo, com indignação. Vê as pessoas como inimigas que estão o tempo todo tentando te desafiar.

E estão mesmo, meu amor! Porque o Universo está tentando jogar na sua cara que você está cercada por um amor irreal, uma máscara de amorosa e mãe de todos, que não serve para você. Lá dentro pode se esconder uma vadia, uma prostituta, uma nojenta daquelas bem metidas, uma perua que torra o dinheiro do marido em Nova York, uma mafiosa, uma escrava do sexo ou qualquer coisa que seja suficientemente subversivo.

Ser subversiva. Ai que delícia, não é? Não é maravilhoso para uma boazinha pensar em ser uma boazuda? Não é fantástico pensar em morar em Paris por seis meses, mesmo que você vá com a roupa do corpo e 29 euros emprestados? Não é legal poder ser aquela que reclama mesmo quando algo a incomoda e que nunca mais vai comer o prato errado no restaurante só pra não reclamar com o “coitado” do garçom?

Eu nunca gostei das cinzas na minha roupa. Na verdade, nem do cheiro fedido de fumaça que empesteava a casa. Mas eu não falava nada porque precisava ser perfeita. E esta perfeição me custou muito mais coisas do que eu poderia pagar.

Agora, depois de alguns anos nessa vida, decidi que serei ruim, bem má! Daquelas que faz só o quer e o que pensa e que não quer agradar absolutamente ninguém que não seja a si mesma. Nem o pai, nem a mãe, nem o estado, nem o imposto de renda, nem as lojas de departamento, nem sistema nenhum que eu não tenha inventado. Aliás, estou inventando o sistema “eu” de ser feliz, e os outros que se virem com suas frustrações e medos em bons consultórios de terapeutas. E que nem apareçam no meu, porque eu não tenho paciência com boazinhas demais!

Sejamos mais autenticas sem medo. Porque a felicidade está em pequenos sonhos realizados, em pequenos pudins comidos no meio da dieta, em pequenas farras no shopping mesmo com o limite estourando, em romper com o que o mundo acha ideal e perfeito. Até o dia em que você percebe que quer ser boazinha para você mesma e possa fazer suas escolhas com um verdadeiro e autentico amor por você.

Amar a si mesma, mesmo fora de todas as regras. A subversão, muitas vezes, é o tal prato principal.

Andrea Pavlovitsch 

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