segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Falhas - Martha Medeiros




Uma das coisas que fascinam na cidade de San Francisco é ela estar localizada sobre a falha de San Andreas, que provoca pequenos abalos sísmicos de vez em quando e grandes terremotos de tempos em tempos.


Você está muito faceiro caminhando pela cidade, e de uma hora para outra pode perder o chão, ver tudo sair do lugar, ficar tontinho, tontinho. É pouco provável que vá acontecer justo quando você estiver lá, mas existe a possibilidade, e isso amedronta mas ao mesmo tempo excita, vai dizer que não?


Assim também são as pessoas interessantes: têm falhas. Pessoas perfeitas são como Viena, uma cidade linda, limpa, onde tudo funciona e você quase morre de tédio.


Pessoas, como cidades, não precisam ser excessivamente bonitas. É fundamental que tenham sinais de expressão no rosto, um nariz com personalidade, um vinco na testa que as caracterize.
Pessoas, como cidades, precisam ser limpas, mas não ao ponto de não possuirem máculas. É preciso suar na hora do cansaço, é preciso ter um cheiro próprio, uma camiseta velha para dormir, um jeans quase transparente de tanto que foi usado, um batom que escapou dos lábios depois de um beijo, um rímel que borrou um pouquinho quando você chorou.


Pessoas, como cidades, têm que funcionar, mas não podem ser previsíveis.
De vez em quando, sem abusar muito da licença, devem ser insensatas, ligeiramente passionais, demonstrar um certo desatino, ir contra alguns prognósticos, cometer erros de julgamento e pedir desculpas depois, pedir desculpas sempre, para poder ter crédito e errar outra vez.


Pessoas, como cidades, devem dar vontade de visitar, devem satisfazer nossa necessidade de viver momentos sublimes, devem ser calorosas, ser generosas e abrir suas portas, devem nos fazer querer voltar, porém não devemos deixar 100% seguros, nunca.



Devem provocar uma pequena dose de apreensão e cuidado, nunca devem deixar os outros esquecerem que pessoas, assim como cidades, têm rachaduras internas, portanto podem surpreender.

Falhas. Agradeça as suas, que são o que humaniza você, e nos fascina.
Martha Medeiros

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